sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Identidade do Tráfico

Como tudo começou

O uso de drogas é uma fuga constante da sociedade. Com intuitos diferentes, todas as camadas sociais estão cada vez mais aderindo aos entorpecentes. Na guerra do Vietnam, a heroína se popularizou entre os soldados. A geração ‘paz e amor’, por sua vez, passou a ir contra todas as normas sociais que apoiavam o conflito. O cabelo comprido tomou o lugar do corte baixo usado pelos guerrilheiros. O brim prevaleceu sobre o terno. E o álcool foi substituído pela maconha e outros alucinógenos. O sociólogo Francês Morais, entende esse fenômeno como uma resposta ao movimento de criminalização das drogas ocorrente nos EUA, pouco antes da guerra do Vietnã.
A juventude brasileira também viu na droga, principalmente no movimento de Contracultura, uma f orma de se rebelar aos abusos cometidos pela ditadura. A geração anos 60, estava cansada de repressão, de consumismo, de ‘ordem e progresso’. Era preciso encontrar um mundo novo, com liberdade individual e sexual. A vontade de fazer as coisas de modo diferente era manifestada através da música, das roupas, do vocabulário, e no uso freqüente de substâncias ilícitas que proporcionavam mesmo que por instantes, uma nova realidade. “Eu senti na pele os abusos na ditadura. A maconha era usada como uma forma de libertação. Hoje, é diferente as drogas viraram uma arma do capitalismo”. Diz o vendedor, Pedro Fonseca.

Corrupção + exclusão social = violência

O tráfico de drogas na capital gaúcha vem crescendo nos últimos anos. A violência em Porto Alegre ainda não é proporcional a de outras grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, em que as pessoas perderam a confiança na polícia, tendo na figura do traficante um herói. E, onde facções criminosas como o Comando Vermelho levam vantagem sobre as autoridades policiais. Entretanto, Porto Alegre está longe de ser um modelo de segurança pública. Apesar, de não possuir contato direto com o crime organizado de outros estados, os infratores gaúchos também praticam ações como: a corrupção de policiais, o uso de menores para auxiliar no comércio ilegal, e também tem controle de crimes dentro dos presídios. O sociólogo justifica esse quadro pela falta de seriedade dos líderes políticos, ao se tratar de segurança pública. “Temendo uma perda de mandato, os governantes não pensam na descriminalização dos entorpecentes. Somente esquecendo as questões morais poderíamos diminuir o crescimento da violência”. Afirma Morais
Atualmente, os entorpecentes tomaram uma proporção tamanha que o tráfico constitui a terceira mercadoria global. O desemprego e a falta de condições sociais são alguns fatores que levam os homens a aderirem a esse estilo de vida. Como afirma o traficante, A.S: "ao ver meus dois filhos passando fome, por falta de um emprego para o pai pratiquei meu primeiro delito. Mudei da água para o vinho, virei assaltante, depois traficante".
Segundo o delegado do Departamento de investigações sobre Narcotráfico (Denarc), Luís Fernando de Oliveira, o tráfico é uma das mercadorias mais lucrativas do mercado. A falta de oportunidade, somada a ausência de estrutura familiar são fatores que levam os jovens a praticarem o comércio ilegal. Para ele, a única forma de acabar com a violência é repensando a questão social.

Um crime diferente

O narcotráfico é um crime distinto dos de mais. Não há uma classe definida para quem está envolvido com o comércio ilegal. No meio rural a maconha ganha espaço, em zonas menos favorecidas a cocaína e o craque são mais presentes. E, entre a classe média e alta, prevalece o uso de êxtase e LSD, ressalta o delegado do Departamento de Investigações sobre o Narcotráfico (Denarc). Ele revela também, que as investigações aos comerciantes de substâncias ilícitas são as mais trabalhosas, por não existirem testemunhas que acusem o crime. "Quando estamos investigando um assalto, ou um assassinato, há uma vítima, alguém foi prejudicado. Mas ao trabalharmos com o tráfico é diferente, pois os usuários nunca vão denunciar quem lhes fornece a mercadoria. Precisamos ser muito criativos, usar vigilância e grampeação telefônica", explica ele.
Para A.S, o traficante não é um ladrão, ou um assassino, ele só vende o que as pessoas querem comprar. A culpa pela violência geralmente é posta nos comerciantes ilegais, porém os consumidores também são responsáveis por grande parte dos delitos. “É fácil por a culpa nos traficantes, mas a gente não obriga ninguém a usar nada. Um viciado rouba a família, rouba desconhecidos, e se tiver que matar ele mata para sustentar o vício”. Diz A.S

A vida na Boca de Fumo

As Bocas de Fumo (local onde a droga é armazenada) funcionam como uma empresa, todos os envolvidos com o tráfico possuem uma função especifica. Os cargos se estendem do endolador (quem enrola a droga) ao patrão (chefe da boca). O dinheiro adquirido é dividido de maneira proporcional à função exercida por cada um. “O patrão fica com a maior parte do dinheiro, porque precisa pagar os empregados, comprar armas, repor a mercadoria, e ajudar a comunidade no que for preciso”, explica o aviãzinho S.G.
Os entorpecentes percorrem um extenso caminho até chegar aos usuários. Nada nunca é vendido puro, a droga é pesada, refinada e entregue aos consumidores. A facilidade com que os alucinógenos são repassados para a população, somada com a desonestidade de alguns policiais são agravantes do comércio ilegal. "Quem não quer vir até o morro, como a maioria dos ‘play boys’, pode recorrer a nós ‘entregadores’ que levamos a mercadoria-(droga), até o consumidor", afirma o aviãozinho. "Sempre tem os policiais que tu consegue comprar, além disso, alguém avisa quando a polícia está chegando. Um traficante nunca é pego desprevenido”, completa ele.
Além da polícia, os comerciantes de substâncias ilícitas enfrentam confrontos internos diariamente. Quando ocorre uma disputa por ‘boca de fumo’ o tiroteio é inevitável. Entretanto, essa não é uma prática comum, pois há respeito entre os infratores e somente casas que já estão falidas são tomadas. "Um traficante só entra em confronto por ‘boca de fumo’ quando sabe que vai ganhar” diz S.G.

Numa cidade muito longe

Na ditadura militar os revolucionários que se opunham ao regime
Vigente, foram encarcerados ao lado de criminosos comuns. O contato com os idealistas fez com que todos os presos tivessem consciência dos seus direitos, e de como a união e a organização poderiam lhes favorecer. Em meio a esse ambiente, surgiu no presídio da Ilha Grande, situado no Rio de Janeiro, a facção criminosa Comando Vermelho. O movimento tinha como principal objetivo denunciar os abusos cometidos pelas autoridades carcerárias. Os ideais de paz, justiça e liberdade pregados pelos integrantes do Comando são cultivados também pelos contraventores do Sul, porém com outro significado. Como afirma S.G: “O tráfico gaúcho possui esses fatores. Mas é a paz e a justiça da favela. Com os traficantes vendendo drogas, ganhando o dinheiro deles, sem polícia entrando no morro, sem x9 (delator) entregando os caras".
Semelhante ao que ocorre nos presídios cariocas os delinqüentes gaúchos também possuem um controle do crime mesmo estando atrás das grades. Segundo A.S, os prisioneiros que possuem um bom poder aquisitivo permanecem trabalhando com o comércio ilegal através de informantes. O contraventor justifica essa atitude por razões sociais: "a justiça prende, mas o governo não sustenta a família do preso, muito menos dá assistência ao mesmo, É preciso sobreviver de alguma forma".
Apesar, das facções criminosas possuírem armamento semelhante ao da polícia e comportarem um grande número de adeptos, uma revolução marginal hoje seria sufocada com facilidade, como afirma o delegado. “Há vinte anos atrás, talvez o crime organizado tivesse sucesso. Atualmente não, pois falta liderança e conscientização entre os contraventores”.

O crime não compensa

Apesar de o comércio indecoroso proporcionar um poder aquisitivo maior ele é repudiado pelos próprios infratores, como afirma o traficante, "o Brasil é um país rico, porém mal administrado, onde quem rouba milhões dos cofres públicos é absolvido e quem rouba um pacote de biscoitos vai para a cadeia. Apesar disso, o crime não compensa e em circunstância alguma vai compensar o tempo que ficamos longe dos nossos filhos e familiares. O primeiro delito é como uma tatuagem fica marcado para sempre".

Alguns entrevistado preferiram não se identificar, por isso o nome e o sobrenome dos mesmos foram substituídos por iniciais

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